Francisco Cuoco: Adeus ao ícone que moldou rostos e vozes do Brasil
Francisco Cuoco moldou seis décadas de dramaturgia nacional com sua voz grave e presença magnética, tornando-se um dos pilares da identidade artística brasileira. O ator faleceu em 19 de junho de 2025, aos 91 anos, no Hospital Albert Einstein em São Paulo, após 20 dias de internação por complicações relacionadas à idade avançada . Sua partida encerra uma jornada que começou nas feiras livres do Brás, onde trabalhava com o pai, imigrante italiano, e culminou na construção de personagens indeléveis no imaginário nacional .
Nascido em 29 de novembro de 1933, no bairro operário paulistano, Cuoco abandonou o sonho de ser advogado para ingressar na Escola de Arte Dramática (EAD) em 1953, sob orientação de Alfredo Mesquita . Seu aprendizado no Teatro Brasileiro de Comédia (TBC) e no Teatro dos Sete, ao lado de Fernanda Montenegro e Gianni Ratto, foi fundamental. Em 1964, recebeu o prêmio da Associação Paulista de Críticos de Teatro por "Boeing-Boeing", consolidando-se como força teatral antes mesmo de conquistar as câmeras .
Na televisão, Cuoco estruturou o gosto do brasileiro pela telenovela, segundo o crítico Mauro Alencar. Protagonizou Redenção (1966-1968) na TV Excelsior, a novela mais longa da história brasileira, com 596 capítulos. O papel que lhe rendeu o Troféu Imprensa de 1967. Na Globo, tornou-se o "muso" da escritora Janete Clair, que o considerava seu "pupilo". Criou arquétipos que sintetizaram dilemas nacionais: o arquiteto Cristiano em Selva de Pedra (1972), símbolo da ascensão urbana; o taxista Carlão em Pecado Capital (1975), cuja morte "paralisou o Brasil"; e o místico Herculano em O Astro (1977), papel que Rodrigo Lombardi definiria como "o elixir dos grandes atores brasileiros". Em O Outro (1987), demonstrou versatilidade ao interpretar dois gêmeos em um enredo de suspense.
Embora menos lembrado que sua trajetória televisiva, o cinema foi sua paixão original. Em 1968, encarnou Riobaldo em Grande Sertão, primeira adaptação cinematográfica da obra-prima de Guimarães Rosa. O papel exigiu profunda imersão do ator no sertão roseano. Três décadas depois, em Traição (1998), baseado em Nelson Rodrigues, sua atuação como Argemiro Santos rendeu-lhe o prêmio de Melhor Ator Coadjuvante no Festival de Brasília. Em Cafundó (2005), ao lado de Lázaro Ramos, explorou as feridas da escravidão com intensidade contida, interpretando um senhor de engenho em narrativa sobre sincretismo religioso. Aos 82 anos, em Real Beleza (2015), registrou seu último trabalho nas telas grandes, testamento de um amor jamais abandonado .
Cuoco recebeu quatro Troféus Imprensa, um prêmio APCA e o Troféu Mário Lago (2018) por sua contribuição cultural. Deixa um legado que transcende premiações: a prova de que um menino do Brás pode tornar-se espelho de um país através da interpretação .
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