Crítica: A Substância e a pornificação do entretenimento


Avaliação: ★★★★★

Mais do que o body horror e todas as sequências sanguinolentas, ficou na minha cabeça a capacidade de A Substância de construir um espécie de distopia pornificada. Um mundo tomado pelo superficial e pelo culto incessante à imagem ou ao sexual. Um universo em que o programa matinal traz pessoas seminuas mostrando suas curvas e o show de ano novo apresenta um time de mulheres com os seios à mostra.

Inclusive, algumas cenas que flertam com o humor, como a Sue conversando com seu vizinho tosco, remetem à uma estética pornográfica, universos esses em que absolutamente tudo é pautado pelo sexo e pela transa mais próxima. É como se todas as dinâmicas ali fossem pautadas pela erotização. Obviamente, isso tudo gera pressão estética sobre o corpo feminino, tema central da obra.

Os corpos perfeitos, quase plastificados, e a maneira como os personagens se comunicam sempre com pressa reforçam a ideia de que a substância humana foi esvaziada, restando apenas uma casca, um simulacro. As relações pessoais são reduzidas a trocas banais e desumanizadas, como na já clássica cena do Denis Quaid comendo camarão, uma consequência da busca desenfreada por validação visual e consumo.

Dentro dessa estratégia, a direção de arte aposta em uma estética limpa e sintética, quase clínica, contrastando com os temas decadentes abordados, o que amplifica o desconforto do espectador. O banho de sangue no final vem justamente pra atacar essa higienização dos ambientes. Mais do que pressão estética e todos os temas óbvios, por intenção da realizadora, sinto que a obra denuncia uma sociedade que perdeu a capacidade de ver além da superfície, até a si mesmo.

Por isso, banners, pôsteres, quadros, revistas e todo tipo de material publicitário preenche o visual do longa. Os estímulos humanos se tornaram todos visuais. Nossa relação com o outro se tornou visual. E até com nós mesmos, exemplificado pelas diversas cenas com espelhos. A Substância é um convite a refletir sobre a desumanização nessa era da imagem.

A Substância (The Substance) - 2024

Produção: Reino Unido, Estados Unidos e França

Direção: Coralie Fargeat

Roteiro: Coralie Fargeat

Elenco: Demi Moore, Margaret Qualley, Dennis Quaid, Gore Abrams, Oscar Lesage, Hugo Diego Garcia, Matthew Géczy, Phillip Schurer

Duração: 2 horas e 20 minutos


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